O final da década de 60 do século XX testemunhou uma das mais importantes revoluções artísticas de que há memória.
Por um lado, assistia-se ao fim da modernidade, essa ideologia eufórica, optimista e ambiciosa que previa no futuro próximo a resolução de todos os problemas económicos, sociais, políticos, ambientais e culturais. Por outro, com a instauração da Guerra Fria e a sobrevivência de diversos regimes ditatoriais pelo mundo, intuía se que talvez o futuro proximo não fosse tão risonho quanto isso. E questionava-se a validade dos modelos artísticos que tinham vigorado até essa altura.
É neste contexto que surge a Landart, que não foi exactamente um movimento organizado mas uma denominação para o trabalho que um certo número de artistas estava então a desenvolver e que possuía em comum o êxodo do espaço rarefeito e elitista da galeria e do museu para a paisagem natural. Dialogando especificamente com a natureza, interrogando ora os sinais deixados pelo homem quando interage com ela, ora a possibilidade da inserção da obra de arte numa situação que não é controlada habitualmente pelos agentes artísticos, estes criadores, entre os quais se destacam Robert Smithson, Richard Long, Hamish Fulton, Christo ou Alberto Carneiro, deixaram-nos uma obra consistente, original e de qualidade notável que cumpria exactamente e até ultrapassava, os objectivos que se tinha proposto.
Desde 2009 que a Fundação D.Luis I tem organizado a Landart Cascais que não se instituindo como exposição de descendência directa dessas longínquas acções da segunda metade do século XX, pretende apropriar-se e reflectir sobre a pertinência da inclusão de obras de arte contemporâneas no contexto de um parque natural. Na Quinta do Pisão, um espaço dedicado à preservação e usufruto da paisagem em condições excepcionais, o número restrito de artistas de hoje tem vindo a apresentar periodicamente obras site specific, realizadas propositadamente para este evento. A partir deste ano, estas obras encontrarão aqui o seu lugar permanente até que, pela acção do meio e dos elementos, esgotem naturalmente o seu ciclo de vida próprio.
Os artistas convidados para a edição de 2016 representam, como já tem sido prática desde o inicio, diferentes gerações e modos de abordar o conceito de paisagem.
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Mariana Dias Coutinho, por fim, escolheu um dos antigos fornos de cal para convocar o antigo mito de Prometeu, o titã que roubou o fogo aos deuses para dar aos homens. A instalação que concebeu, aqui dividida em dois momentos, desdobra a figura mitológica num exército de pequenos seres de grés branco e mármore que, como é próprio de todos os mitos, sugerem uma narrativa que encontra paralelismos também noutras lendas, sobretudo as que traduzem todas as inquietações que antigas civilizações agrárias sempre mantiveram relativamente ao renovar das estações do ano. Através da entrada deste exercito de pequenos seres, que não deixa de lembrar a obra de Allan McCollum e certas imagens do cinema de Fritz Lang, Mariana Dias Coutinho traz para o espaço que escolheu longínquas memórias de um trabalho que aqui se fez - o fabrico de cal - que, por ser artesanal, não implicou menos a existência de um árduo ciclo de produção industrial. Ao contrario do que se passa nesse processo, e ao contrario também do que se sucede no mito do Prometeu, as personagens da sua obra não se dirigem para o fogo, mas para a terra e a água, que são os elementos que existem hoje nas ruínas do antigo forno. Neste sentido a artista assume a atitude muito contemporânea de constatação da incongruência da escrita da História.
Luisa Soares de Oliveira,
(crítica de arte)
As características formais do forno de Cal de Porto Côvo impulsionaram o enquadramento da instalação da peça, criando um cenário para um reencontro entre a Humanidade e a Natureza.
Um conjunto de Prometheus, em tom de alinhamento de tropas, direccionados para a boca de descarga do forno de cal, em forma de orgão genital feminino, e que desembocam num poço com água, como que num ritual sexual de fertilidade, representam um cântico à Vida.
Instalados numa chapa de aço Corten junto ao solo, os cerca de 500 Prometheus, símbolo de heroísmo e conhecimento humano, irão padecer dos avanços da temporalidade, sendo invadidos pela vegetação rasteira, metaforicamente instigando à continuidade de um diálogo, reflexão e avaliação da nossa relação com a Natureza, história e progresso.
Mariana Dias Coutinho, Janeiro 2016
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